“Aos discípulos do Senhor Jesus, a condição que se lhes impõe para serem evangelizadores coerentes é semear sinais palpáveis de esperança. A todas as comunidades cristãs e a quantos sentem a exigência de levar esperança e conforto aos pobres, peço que se empenhem para que este Dia Mundial possa reforçar em muitos a vontade de colaborar concretamente para que ninguém se sinta privado da proximidade e da solidariedade. Acompanhem-nos as palavras do profeta que anuncia um futuro diferente: «Para vós, que respeitais o meu nome, brilhará o sol de justiça, trazendo a cura nos seus raios» (Ml 3, 20)”, afirmam José Geraldo de Sousa Junior, ex-Reitor da UnB; membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília, José Carlos Soares Pinto, membro da Comissão de Justiça e Paz de Brasília e Mauro Almeida Noleto, presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília, citando a Mensagem do Papa Francisco para o III Dia Mundial dos Pobres, que ocorre neste domingo, 17 de novembro.
Em sua ‘Mensagem para o III Dia Mundial dos Pobres, XXXIII Domingo do Tempo Comum (17 de novembro de 2019)“, o Papa Francisco, com a firmeza de uma clara opção teológica, recordou com os Salmos (Sal 9, 19) que «A esperança dos pobres jamais se frustrará».
Estas palavras disse o Papa, “Expressam uma verdade profunda, que a fé consegue gravar sobretudo no coração dos mais pobres: a esperança perdida devido às injustiças, aos sofrimentos e à precariedade da vida será restabelecida”.
Ao descrever um quadro que expõe todas as mazelas de iniquidades e injustiças que levam à desumanização que aliena o social da dignidade, da paz e da justiça, o Papa atualiza uma responsabilidade pastoral inscrita, segundo as escrituras, na ação exemplar de Deus em favor dos pobres:
“Aquele que «escuta», «intervém», «protege», «defende», «resgata», «salva»… Em suma, um pobre não poderá jamais encontrar Deus indiferente ou silencioso perante a sua oração. É Aquele que faz justiça e não esquece (cf. Sal 40, 18; 70, 6); mais, constitui um refúgio para o pobre e não cessa de vir em sua ajuda (cf. Sal 10, 14)”.
Em entrevista recente (26\10), concedida ao Programa de Justiça e Paz que a Comissão Justiça e Paz de Brasília transmite semanalmente pela Rádio Nova Aliança de Brasília, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, autor do livro Se Deus Fosse Ativista de Direitos Humanos, observou, desde uma leitura estritamente sociológica, isto é, menos teológica, que o Papa Francisco, em sua ação pastoral tem procurado “devolver a Igreja aos pobres”, numa opção decidida e tensa, até mesmo no seu próprio seio, sobretudo quando se confronta com outras visões pastorais, algumas vezes confundidas com opções mundanas de “vendilhões do templo”, na ilusão de que é a “prosperidade” e não o “serviço de autêntica evangelização misericordiosa” o que melhor traduz o anúncio do Evangelho.
Em sua mensagem, o Papa nos recorda pedagogicamente, que
“Ao aproximar-se dos pobres, a Igreja descobre que é um povo, espalhado entre muitas nações, que tem a vocação de fazer com que ninguém se sinta estrangeiro nem excluído, porque a todos envolve num caminho comum de salvação. A condição dos pobres obriga a não se afastar do Corpo do Senhor que sofre neles. Antes, pelo contrário, somos chamados a tocar a sua carne para nos comprometermos em primeira pessoa num serviço que é autêntica evangelização. A promoção, mesmo social, dos pobres não é um compromisso extrínseco ao anúncio do Evangelho; pelo contrário, manifesta o realismo da fé cristã e a sua validade histórica. O amor que dá vida à fé em Jesus não permite que os seus discípulos se fechem num individualismo asfixiador, oculto nas pregas duma intimidade espiritual, sem qualquer influxo na vida social (Mensagem do Papa Francisco, Dia Mundial dos Pobres 2019)”.
Para essa opção, a que exortam os Salmos e para a ação evangelizadora que se orienta pelas Escrituras Sagradas, apontam todos os ensinamentos que o Papa integra a suas mensagens, exortações e encíclicas. Nesses documentos está o que agora, na Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, ele volta a indicar como a atitude que deve mobilizar os cristãos e os serviços da Igreja:
“O compromisso dos cristãos, por ocasião deste Dia Mundial e sobretudo na vida ordinária de cada dia, não consiste apenas em iniciativas de assistência que, embora louváveis e necessárias, devem tender a aumentar em cada um aquela atenção plena, que é devida a toda a pessoa que se encontra em dificuldade. «Esta atenção amiga é o início duma verdadeira preocupação» (ibid., 199) pelos pobres, buscando o seu verdadeiro bem. Não é fácil ser testemunha da esperança cristã no contexto cultural do consumismo e do descarte, sempre propenso a aumentar um bem-estar superficial e efêmero. Requer-se uma mudança de mentalidade para redescobrir o essencial, para encarnar e tornar incisivo o anúncio do Reino de Deus. A esperança comunica-se também através da consolação que se implementa acompanhando os pobres, não por alguns dias permeados de entusiasmo, mas com um compromisso que perdura no tempo. Os pobres adquirem verdadeira esperança, não quando nos veem gratificados por lhes termos concedido um pouco do nosso tempo, mas quando reconhecem no nosso sacrifício um ato de amor gratuito que não procura recompensa”.
Ato de Serviço, antes de tudo, conforme nos orientou o Cardeal Sergio da Rocha, Arcebispo de Brasília, em sua mensagem de celebração de 33 Anos da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese, atualizando as diretrizes para seu mandato de ação no contexto da dimensão social que a integra na ação evangelizadora da Igreja:
“A missão evangelizadora da Igreja não ocorre somente pelo anúncio da Palavra, que é sempre muito importante; acontece também pelo testemunho. O testemunho torna-se sempre mais necessário, em nosso tempo. Testemunho da caridade, isto é, do amor aos pobres e sofredores, testemunho da promoção da justiça e da paz, testemunho de misericórdia, solidariedade e serviço, testemunho profético portador de esperança e vida nova. A dimensão social integra a ação evangelizadora da Igreja; é expressão do ser “sal da terra” e “luz do mundo” que caracterizam o agir cristão e a comunidade cristã. Por isso, a dimensão social não pode ser negada, nem descuidada. A fé não pode ficar confinada aos templos ou restrita à vida privada, como muitos preferem. Tem sempre sérias implicações para a vida social, nos seus diversos âmbitos. Por isso, não podemos ignorar os graves problemas vividos pela população, especialmente pelos mais pobres, identificando os desafios concretos e contribuindo para a sua superação. Não podemos jamais abandonar os pobres!”.
Trata-se de um desafio e também de um compromisso, algo que não se coloca como uma retórica de comiseração, mas que horroriza em sua realidade gritante. Matéria de El País, São Paulo, 6\11, assinada pela jornalista Carla Jiménez – Extrema pobreza sobe e Brasil já soma 13,5 milhões de miseráveis, mostra que “Grupo, que sobrevive com 145 reais mensais, vem crescendo desde 2015. Número de miseráveis no país é maior que a população da Bolívia, mostra IBGE”. Segundo a matéria “A extrema pobreza subiu no Brasil e já soma 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com até 145 reais mensais. O número de miseráveis vem crescendo desde 2015, invertendo a curva descendente da miséria dos anos anteriores. De 2014 para cá, 4,5 milhões de pessoas caíram para a extrema pobreza, passando a viver em condições miseráveis. O contingente é recorde em sete anos da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta do desemprego, os programas sociais mais enxutos e a falta de reajuste de subvenções como o Bolsa Família aumentam o fosso dos mais pobres. O indicador de pobreza do Bolsa Família, por exemplo, é de 89 reais, abaixo do parâmetro de 145 reais utilizado pelo Banco Mundial. A miséria atinge principalmente estados do Norte e Nordeste do Brasil, em especial a população preta e parda, sem instrução ou com formação fundamental incompleta. Mesmo os filhos dessas famílias que queiram superar a condição de estudos dos pais acabam paralisados pela limitação econômica familiar. A falta de renda acaba empurrando os estudantes desse estrato para a evasão escolar. Entre ir à escola ou trabalhar para evitar que a família passe fome, a segunda opção é a mais óbvia. Segundo o IBGE, 11,8% dos jovens mais pobres abandonaram a escola sem concluir o ensino médio no ano passado. Trata-se de um índice oito vezes maior que o dos jovens ricos”.
Trata-se, assim, de recuperar, conforme artigo recentemente publicado na página do Instituto Humanitas (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) “A Centralidade dos Pobres na Igreja” e, conforme sugere o seu autor Francisco de Aquino Júnior, ter em mente, com o Papa Francisco em sua Mensagem que “Para a fé cristã, a pobreza e a marginalização não são apenas uma questão sócio-política e ética (justiça social), mas também e mais radicalmente uma questão espiritual que diz respeito à nossa relação com Deus (salvação)”.
Importa recordar, diz o autor do artigo, que o compromisso com os pobres é tarefa de todos na Igreja:
“Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres porque suas opções de vida implicam prestar mais atenção a outras incumbências”; “ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (EG, 201). “Todos os cristãos, incluindo os pastores, são chamados a preocupar-se com a construção de um mundo melhor”, unindo-se, nesta tarefa, às “demais Igrejas e comunidades eclesiais” (EG, 183). “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e da promoção dos pobres” (EG, 187). Uma comunidade que não se compromete criativamente com a causa dos pobres, “facilmente acabará submersa pelo mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religiosas, reuniões infecundas ou discursos vazios” (EG, 207).
Assim é que o Papa Francisco conclama ao final de sua Mensagem:
“O Senhor não abandona a quem O procura e a quantos O invocam; «não esquece o clamor dos pobres» (Sal 9, 13), porque os seus ouvidos estão atentos à sua voz. A esperança do pobre desafia as várias condições de morte, porque sabe que é particularmente amado por Deus e, assim, triunfa sobre o sofrimento e a exclusão. A sua condição de pobreza não lhe tira a dignidade que recebeu do Criador; vive na certeza de que a mesma ser-lhe-á restabelecida plenamente pelo próprio Deus. Ele não fica indiferente à sorte dos seus filhos mais frágeis; pelo contrário, observa as suas fadigas e sofrimentos, para os tomar na sua mão, e dá-lhes força e coragem (cf. Sal 10, 14). A esperança do pobre torna-se forte com a certeza de que é acolhido pelo Senhor, n’Ele encontra verdadeira justiça, fica revigorado no coração para continuar a amar (cf. Sal 10, 17).
Aos discípulos do Senhor Jesus, a condição que se lhes impõe para serem evangelizadores coerentes é semear sinais palpáveis de esperança. A todas as comunidades cristãs e a quantos sentem a exigência de levar esperança e conforto aos pobres, peço que se empenhem para que este Dia Mundial possa reforçar em muitos a vontade de colaborar concretamente para que ninguém se sinta privado da proximidade e da solidariedade. Acompanhem-nos as palavras do profeta que anuncia um futuro diferente: «Para vós, que respeitais o meu nome, brilhará o sol de justiça, trazendo a cura nos seus raios» (Ml 3, 20)”.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/