A coordenadora do Comitê Migrações e Deslocamentos da ABA e Ph.D em Antropologia pela Columbia University ampliou a problemática dos deslocamentos humanos
Jornal GGN – “Não se trata de indagar somente ‘quem tem direitos a direitos’, mas também ‘quem tem direitos a ser humano’”, resumiu a pesquisadora Bela Fedlman-Bianco, Ph.D em Antropologia pela Columbia University e diretora-associada do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI) na Unicamp, sobre as políticas públicas e o cenário de isolamento, seja político, social, econômico ou cultural, dos imigrantes pelo mundo. O panorama foi realizado em debate na Cátedra Unesco Memorial da América Latina, nesta quarta-feira (02).
E assim como uma estudiosa do tema, Fedlman-Bianco analisa que uma das problemáticas que envolvem o fenômeno é a tendência positivista de reificar Estado-nação, ou seja, a influência da Academia de segmentar a origem dos indivíduos, como se as dificuldades partissem somente disso e não abrangessem os demais contextos locais. Da mesma forma, o negativo costume de restringir significados a denominações como “refugiados”, “imigrantes”, “expulsão”, “desocupação”, “desterros”… – sendo todos estes, explica ela, diversidades de nomes para o deslocamento de pessoas.
Sem a pretensão de confinar os campos de estudos, a pesquisadora, que é também coordenadora do Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia, lembrou que essa setorialização é levada para as políticas públicas. Não à toa, os haitianos, pelo crescente impacto de imigrantes do país caribenho no Brasil, integram hoje o Conselho Nacional da Imigração do Ministério do Trabalho, mas os demais refugiados são tratados pelo governo por uma pasta do Ministério da Justiça, ao lado de temas como a Segurança Pública.
“Os haitianos são refugiados ambientais. Isso traz à tona também a questão de que o Estatuto do Estrangeiro no Brasil é da época da ditadura. É um Estatuto todo baseado em Segurança Nacional. E a política que está sendo realizada brasileira são, apesar do Estatuto, ações pontuais, muitas delas feitas, inclusive, no contexto do Conselho Nacional da Imigração do MT”, disse a especialista.
Essa “peculiaridade” de tratamento, ainda que com consequências positivas aos haitianos que chegam ao país, repercute o outro extremo do processo. “Os haitianos, pela questão ambiental, não poderiam ser considerados refugiados de acordo com o nosso Estatuto dos Refugiados, então se inventou um [Estatuto] customizado. Se há uma discriminação positiva em relação a eles, por outro lado, reflete como no Brasil faltam políticas públicas para os refugiados”, afirmou.
Bela Feldman exemplificou que a precariedade do atual tratamento com deslocados parte da própria legislação brasileira. “Havia três anteprojetos de lei sobre imigrantes. Um conhecido como ‘projeto de Lula’, de 2009, outro do senador Aloysio Nunes, de 2013, e o mais recente de uma comissão especialista no âmbito da Comissão Nacional de Justiça. O projeto de lei de Aloysio Nunes foi discutido no Senado, aprovado, mas já incorporou os dois outros projetos. O PL muda o paradigma, mais de encontro com a Constituição brasileira em termos de sujeitos de direitos? Sim. Mas, por outro lado, na análise dessa lei é possível ver que dois terços do conteúdo se referem à criminalização”, explicou.
“Precisamos nos organizar para tirar essa criminalização e o problema realmente é a questão migratória continuar na Polícia Federal. É um problema terrível, porque migração não é caso de polícia, não pode ser! Refúgios não tem nada a ver com a polícia. Tráfico de pessoas sim, mas não a migração”, indagou, completando que, na sua longa especialização na área, foi necessário estudar violência para entender a própria temática da imigração.
Por fim, a especialista questionou se o Brasil é mesmo receptivo com o estrangeiro, como a própria imagem do país busca disseminar.
“O Brasil, até se fala, está de braços abertos para imigração. Mas eles necessitam de políticas públicas. Os haitianos se tornaram emblemáticos do que está acontecendo: chegam, não tem moradia, não tem nada. Esse caso mostra, e não são só haitianos que vêm do Acre para São Paulo ou para o Sul, vários senegaleses também vêm. A única exceção aqui em São Paulo é a criação de uma Coordenação de Políticas de Imigrantes”, afirmou, criticando a falta de outras políticas de Estado.
Nesse hiato de iniciativas estatais, a pesquisadora relembrou a importância de associações, entidades religiosas e mesmo grupos de estrangeiros que vem cumprindo o papel de suprir o vazio das medidas públicas. “Quem acolhe imigrantes até agora, e isso desde o passado, são as igrejas, além das católicas, as igrejas evangélicas, as muçulmanas com a chegada dos sírios, ou redes sociais que se formam entre os próprios imigrantes e refugiados. Porque não existe política pública, e agora que se está começando”.
É nesse sentido que Feldman analisa a necessidade de debater o tema do refúgio, da imigração e do deslocamento de pessoas. Assim como objetos de pesquisas acadêmicas, de necessárias políticas de enfrentamento ao preconceito, à xenofobia e às resistências culturais, a pesquisadora enfatiza que os imigrantes não são passivos, mas “protagonistas ativos das suas lutas”.
Fonte: http://jornalggn.com.br/