Conversa de Justiça e Paz aborda o tema da Reforma Política – 04/09/2017

A Conversa de Justiça e Paz, mês setembro, debateu a reforma política e ressaltou a importância do envolvimento da sociedade civil na discussão – 04/09/2017

A Comissão Justiça e Paz de Brasília (CJP) realizou, no último 04 de setembro, no Auditório Dom José Freire Falcão, mais uma edição das “Conversas de Justiça e Paz” do ciclo de 2017. O tema do encontro foi “Reforma política: o que você precisa saber”. A mesa, moderada pelo membro da CJP Mauro Noleto, foi composta pelos expositores convidados: Tereza Cruvinel, jornalista e ex-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); além do Presidente da CJP, José Márcio de Moura, e do Padre Ernanne Pinheiro, representando a Arquidiocese.

Tereza Cruvinel, já na abertura de sua exposição, enfatizou: “a reforma política precisa ser apropriada por todos nós cidadãos, porque é assunto sério demais para ser deixado só para os políticos resolverem. Se isso acontecer, não vai ser reforma política para nós, cidadãos, mas para eles, os políticos”.

Cruvinel lembra que, em todas as legislaturas, desde a Constituinte de 1987/88, discutem-se no Congresso propostas legislativas de reforma do sistema político, mas que nunca foram aprovadas por falta de consenso político: “Claro, quem está lá não quer mudança nas regras. Foi com elas que o sujeito se elegeu, por que que ele vai mudar?”. A propósito, observa que a Constituinte deixou passar uma grande oportunidade para “fazer um sistema político melhor”, alterando a forma de representação no Brasil, que permanece praticamente a mesma desde a época da ditadura militar. E que, portanto, é preciso distinguir entre uma “reforma política necessária” e as propostas legislativas em curso.

A reforma política necessária, segundo Cruvinel, “é essa que homens e mulheres de boa vontade, vamos chamar assim, aquelas pessoas, que nas instituições, nos partidos, na vida acadêmica, na igreja, nas organizações da sociedade civil, interessadas no aprimoramento de nossa democracia, vêm defendendo há anos”. Para ela, essa reforma política necessária, “que se recusa a acontecer”, deveria corrigir as distorções, os vícios e as falhas do nosso sistema político-partidário e eleitoral, que somente vieram se acumulando desde o processo constituinte. Uma reforma necessária para melhorar a qualidade da representação, proporcionando um vínculo mais forte entre o representante e os cidadãos, de modo que o poder, especialmente o Legislativo, seja realmente exercido em nome do povo, “e não hoje, quando o legislativo se transformou numa representação de interesses, mais do que representação popular”.

Resgatar a credibilidade na política – O resgate da credibilidade das instituições políticas é, segundo Cruvinel, necessário para se combater o quadro atual de alienação política que se observa no país, “as pessoas parece que desistiram de participar”. Ela lembra que essa situação de apatia e alienação favorece toda sorte de distorção dos sistemas políticos: “Abre as portas para o autoritarismo, para o salvadorismo, pra corrupção…Reforma política para resgatar a credibilidade, a crença nas instituições e para que haja participação, sem o que não há democracia”. E acrescenta que é preciso reformar a política também para garantir condições de governabilidade, pois “o que temos hoje no chamado presidencialismo de coalizão nada mais é do que, trocando em miúdos, uma situação em que os presidentes para conseguirem governar vão trocando votos no Congresso por grandes pedaços do Estado”, e que tem levado a esse quadro de “radicalização da corrupção”. Finalmente, a reforma política é necessária para baratear as campanhas eleitorais, cativas atualmente de uma carestia que leva os candidatos a buscarem financiamento de grandes interesses econômicos, “e que depois resultará numa forte influência do poder econômico nas Casas de representação. Hoje nós temos bancada de tudo no Congresso, menos bancada do povo”.

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Reduzir o número de partidos políticos – Passa então a enumerar o que seriam os principais tópicos da reforma política necessária, a começar pelo fortalecimento dos partidos, com redução daquilo que ela classificou como “absurda dispersão do quadro partidário”. Uma dispersão que tem levado à ingovernabilidade, em razão do fisiologismo político que se beneficia dessa acentuada fragmentação da representação. Cruvinel então adverte para a ilusão de pensar que no nosso tipo de presidencialismo o presidente eleito tem absoluta liberdade para governar. Na prática, o presidente se elege com maioria absoluta dos votos, mas nunca tem maioria na Câmara porque os votos se dispersam naquela “sopa de letras partidárias”, obrigando os chefes do poder executivo a formarem uma coalizão para governar com a necessária maioria. Para corrigir esse problema, ela aponta o caminho da redução do número de partidos, com o emprego da chamada cláusula eleitoral de desempenho, em que a própria vontade popular é que indicaria quais os partidos que teriam funcionamento no Congresso.

Para Teresa Cruvinel, outra mudança importante deveria ocorrer no sistema eleitoral utilizado para a escolha de parlamentares. “Hoje eu cheguei a conclusão de que o nosso sistema proporcional não é de todo mal. Ele permite o aproveitamento maior dos votos, pois mesmo que o candidato em quem o eleitor votou não seja eleito, aqueles votos que ele recebeu pessoalmente podem ser aproveitados para eleger alguém do mesmo partido. O problema desse sistema hoje é que se permite a formação de coligações entre partidos na eleição para a Câmara de Deputados”. A possibilidade de se realizarem coligações nas eleições parlamentares, explica Cruvinel, sem nenhuma exigência de afinidade política e ideológica, faz com que determinados candidatos de um partido sejam eleitos com votos dados a candidatos de outro partido, deturpando assim a vontade popular.

Financiamento de campanhas – Já em relação ao financiamento das campanhas eleitorais, Cruvinel defende que se adote o financiamento exclusivamente público de campanhas, com redução expressiva dos custos, de modo a conter a influência do poder econômico na Política. “Ora, na verdade será muito mais barato financiar as campanhas de nossos representantes com dinheiro público, desde que com moralidade, com limite, com bom senso, do que permitir que os empresários continuem financiando os políticos para que representem seus interesses”.

IMG_2078No entanto, reconheceu que os projetos que tramitam atualmente no Congresso caminham em outra direção. Para ela, esta crise política e a perda acentuada de credibilidade dos políticos têm mobilizado os parlamentares para encontrarem mecanismos que facilitem a sua própria reeleição no pleito de 2018: “eles precisam de um bote salva-vidas”. Por isso, há uma pressão forte para que se aprove uma reforma política com essa finalidade. Um sistema eleitoral que facilite esse projeto pessoal da atual classe política seria o chamado “distritão”. Esse sistema, muito pouco utilizado no mundo, transforma cada Estado da federação em um distrito eleitoral, de modo a permitir a eleição dos candidatos mais votados para o cargo de deputado. Segundo ela, esse sistema tem a aparência de ser mais democrático, mas esconde alguns sérios problemas de representação. “Ora, se todos disputam os votos no Estado inteiro, quem serão os favorecidos?” Para Cruvinel, os beneficiados com essa medida serão exatamente aqueles candidatos mais conhecidos, que já estão no exercício do mandato e que tiverem maior estrutura e recursos para realizar suas campanhas. Ou seja, o “distritão” favoreceria a reeleição dos atuais representantes, além de empobrecer o debate político, porque retira dos debates os projetos para o país e estimula ainda mais o personalismo das campanhas. Contra a adoção desse sistema, Tereza Cruvinel também destaca o chamado “desperdício dos votos” dados a candidatos que não se elegem e que, diferentemente do que ocorre no sistema proporcional, não seriam mais aproveitados. Enfim, entende que o que está para ser aprovado no Congresso é, infelizmente, mais uma reforma política de ocasião. Em conclusão, Tereza Cruvinel avalia que, em 2018, “vamos para a eleição mais incerta da história. Não sabemos quem será candidato a presidente, nem quais serão as regras eleitorais…” Mesmo assim, sustenta que debater a reforma política necessária vai continuar sendo importante, porque “o que está para ser votado é só um arranjo salva-vidas”.

Reforma do Sistema Político – O segundo convidado, José Antonio Moroni, começou sua explanação indicando que, do ponto de vista dos movimentos sociais organizados, há um profundo desconforto com esses debates. Desconforto que motivou a criação, em 2004, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

Segundo Moroni, esse desconforto dizia respeito, primeiramente, a saber quem são os sujeitos políticos reconhecidos para debater o tema. Constatou-se que os sujeitos “autorizados” eram apenas os parlamentares, “nós da sociedade civil parecíamos estar entrando numa seara que não tinha nada a ver com a gente”. Moroni acrescenta: “isso nos causa muito desconforto, porque entendemos que reforma do sistema político significa discutir a questão do poder, do exercício do poder. Algo que diz respeito, portanto, a toda a sociedade. No entanto, ao buscarmos os partidos para discutir o assunto, nos mandavam procurar as bancadas”.

Em segundo lugar, há o desconforto conceitual, explica Moroni. Que reforma política? “Não podemos pensar a reforma política somente no ângulo da reforma eleitoral, da democracia representativa…Por isso falamos em reforma do sistema político”. Para os movimentos sociais integrantes da Plataforma, a reforma política deve ser entendida como algo ampliado, que inclua todas as relações de poder. Moroni então passa a detalhar os cinco grandes eixos temáticos que compõem as posições da Plataforma.

O primeiro desses eixos diz respeito à democracia direta. Moroni recorda que a Constituição reconhece apenas três instrumentos de democracia direta: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei. Todavia, os dois primeiros são completamente controlados pelo Parlamento, “que escolhe quando e como realizar essas consultas”, ou seja, convertendo os instrumentos de democracia direta em mais outras formas de democracia representativa. Quanto ao terceiro, Moroni critica os enormes obstáculos de logística e burocráticos para se conseguir reunir as assinaturas que são exigidas. Ele destaca que os projetos de iniciativa popular ainda precisam em geral recorrer a algum parlamentar que aceite “patrocinar” o projeto para que ele tramite no Congresso. Por isso, defende a ampliação dos mecanismos institucionais de expressão da soberania popular, por exemplo, por meio do condicionamento de determinados temas sociais e econômicos à prévia consulta popular. “Nós podemos elencar um conjunto de questões que não estão disponíveis aos representantes eleitos…quando você elege alguém, você não está passando junto o poder de decidir sobre essas questões, você tem que ser consultado”.

Democracia participativa – O segundo eixo trata da chamada democracia participativa ou deliberativa, que envolve conselhos, conferências, audiências públicas, ouvidorias. Foi todo esse conjunto que se estruturou no Brasil desde 1988. Para Moroni, porém, é preciso fazer uma autocrítica e reconhecer que esses espaços institucionalizados de participação não se transformaram em verdadeiros espaços de partilha do poder, pois teriam se transformado em espaços burocratizados de disputas internas da própria sociedade. Apesar da institucionalização desses instrumentos, lamenta-se Moroni, falta diálogo, cooperação e exercício efetivo de poder decisório.

5Em relação à democracia representativa, identificou-se desde logo a influência do poder econômico, não apenas no processo eleitoral, mas no processo de tomada de decisões públicas. Para Moroni, uma das portas de entrada dessa influência é o financiamento das campanhas, mas não só. Há o poder dos grupos de interesses que formam suas bancadas no Congresso; há também o peso das organizações midiáticas, entre outros tipos de influência do poder econômico na tomada de decisões pelo Estado. Por isso, “precisamos olhar para o sistema de financiamento e indagar que sistema é mais democrático.” E, embora defenda a adoção do financiamento público, ele também se diz contrário a que se adote essa forma para manter o quadro atual da representação. Sugere a alteração dos critérios de partilhas dos recursos, que atualmente é atrelado ao tamanho das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. Ora, pondera, se o processo eleitoral pressupõe uma igualdade de disputa entre os diversos projetos, não seria admissível, numa reforma, a distribuição dos recursos com base no resultado de eleições passadas. Insiste também na necessidade de barateamento das campanhas eleitorais, como mais um mecanismo de democratização.

Sistema eleitoral – Em relação ao sistema eleitoral, Moroni apresenta números para demonstrar que existe atualmente uma grande sub-representação das chamadas minorias no parlamento: negros, mulheres, homossexuais, indígenas… Por isso, defende que o sistema eleitoral a ser adotado deve enfrentar essa sub-representação por meio do voto em listas partidárias, democraticamente construídas, ou seja, permitindo que a soberania popular se manifeste por meio de prévias e primárias partidárias na escolha dos nomes e da ordem de composição das listas.

Os dois últimos eixos propostos pela Plataforma tratam ainda da democratização da informação e da democratização do Sistema de Justiça. Para Moroni “não existe democracia onde apenas oito famílias dominam os meios de comunicação”. Já em relação ao sistema de justiça, a Plataforma entende que é necessário criar mecanismos de controle democrático em todos os setores do Judiciário, Ministério Público e órgãos da segurança pública.

Antes de concluir, José Antonio Moroni acrescentou que, atualmente, a Plataforma pretende ampliar suas reflexões para mais dois grandes temas: a relação entre economia e democracia e o direito à desobediência civil. “Nós queremos trazer para dentro desse debate sobre a reforma do sistema político a questão do direito à desobediência civil”.

Após novas manifestações dos expositores, em diálogo e conversa com a audiência, a sessão foi encerrada pelo presidente da CJP-DF, José Márcio de Moura, que lembrou as palavras do Papa Francisco, para quem a política é um ato nobre de promoção do bem comum, talvez a maior expressão da caridade, e pelo padre Ernanne Pinheiro, que agradeceu as contribuições de todos, em nome da Arquidiocese, pelo empenho em procurar construir uma sociedade mais justa e uma igreja mais próxima do povo.

Por Comissão Justiça e Paz

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