Ainda com o tema Questão Penitenciária, agora com fundamento da Dignidade Humana, realizou-se nesta segunda-feira, 4 de abril, mais uma Conversa de Justiça e Paz, promovida pela Comissão Justiça e Paz de Brasília, dessa feita, tendo como convidada-expositora, a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal que, a partir de setembro assume a sua Presidência e também a presidência do Conselho Nacional de Justiça, órgão estratégico para estabelecer políticas judiciárias para a questão penitenciária.
A nova rodada de conversa, realizada tradicionalmente no Auditório Dom José Freire Falcão, na Cúria (Anexo da Catedral), inteiramente tomado, buscou aprofundar o debate iniciado em março, com o tema “A Questão Penitenciária: por que eles e não eu?”, oportunidade em que os convidados e convidada, centraram sua atenção mais no conhecer o problema em sua dramaticidade, na perspectiva do ver o mais amplamente possível as suas implicações complexas para, num segundo momento, estabelecer referências para o agir que se oriente por uma adequada atuação pastoral.
A conversa de março contribuiu para traçar um diagnóstico bem documentado, com o qual os expositores ofereceram um quadro de desafios (Ouvidora Maria Gabriela Peixoto), bastante elucidativo, que podem ser assim sintetizados, conforme noticiado na página WEB da CJP/DF: aumento abusivo da taxa de encarceramento (imprevisibilidade para o planejamento, esgotamento dos recursos, agravamento da superlotação, recrutamento para as organizações criminosas); precarização das estruturas e serviços prisionais (violação de direitos, tensão, violência, adoecimento e insatisfação de todas as pessoas envolvidas); ausência de um modelo de gestão para os serviços penais (cada prisão e cada serviço de alternativas penais regidos por interesses circunstanciais e vulneráveis a discursos exclusivamente de repressão); ausência de política para acolhimento e inclusão de pessoa egressa (marginalização social e reincidência criminal); pessoa presa vista como “subcidadão” não destinatários de direitos (naturalidade e normalidade nas políticas de exceção e violação de direitos; potencialização da organização de grupos de presos); políticas estatais não visualizam a pessoa presa como destinatária de políticas públicas (não oferta dos direitos de educação, saúde, trabalho, assistência social, entre outros); serviços penais voltados a repressão/controle e não a inserção social (resistência na implantação de políticas sociais e à participação da sociedade) e se prestou a acumular elementos para o diagnóstico do tema, uma questão difícil que precisa ser levada a sério.
Em sua exposição, acompanhada atentamente por um auditório de membros de pastorais e serviços da Igreja, membros da CJP-DF e CBJP, professores, estudantes, inclusive seminaristas, integrantes de áreas governamentais dos sistemas federal e distrital de segurança e penitenciário (Departamento Penitenciário Nacional/Ouvidoria, Secretaria de Segurança Pública, Fundação de Amparo ao Presidiário) e de associações e coletivos de familiares de presos, a Ministra situou o tema desde uma perspectiva político-jurídica e constitucional, sem renunciar ao seu carisma pessoal, de professora (Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte) e de sua origem pastoral (Pastoral Carcerária), que a mobiliza ainda quando investida de sua função jurisdicional, para um voluntariado misericordioso (em sentido profético), mantendo um compromisso quase anônimo de visitas a presos que não recebem visitas.
A abordagem da Ministra orientou-se, à luz da perspectiva indicada, por acentuar três dimensões do roteiro político-jurídico e constitucional, trazidos ao debate enquanto “categorias da política e do direito: a dignidade, a solidariedade e a fraternidade”. Essas designações estão presentes na Constituição Federal e convocam para um protagonismo de compromisso no sentido de procurar aperfeiçoar um sistema no qual até os menos sensíveis e aqueles que, segundo Clarice Lispector, trazida à exposição pela Ministra, se deparam com “um vazio de civilização”, que já não admite a demissão dos que Clarice chamava de “sonsos essenciais acomodados ao estado de coisas”, tão bem descritos na crônica “Mineirinho”.
Para a Ministra, seguindo sua exposição forte em dados, muito coincidentes com os apresentados na conversa de março, a realidade das prisões brasileiras, revela um “Estado inconstitucional” que, se não for confrontado, permanecerá como um “fator de desestabilização e não de reingresso, ou seja, incapaz de restabelecer condições de dignidade no presídio e depois do retorno à sociedade”.
A Ministra mostrou particular preocupação com a situação da mulher encarcerada, com a extensão descabida da pena para além do sentenciado porque alcança a sua família, seu círculo de amigos e, no caso feminino, aos próprios filhos, lembrando que é inaceitável “brasileirinhos nascendo em penitenciárias”. Antecipando gestões que ultimará quando em setembro assuma a presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, indicou a necessidade de institucionalização de “centros de referência para mulheres presas grávidas” e revelou entendimentos bem sucedidos que vem mantendo com os 27 Presidentes de Tribunais de Justiça do País para a instalação em cada tribunal de coordenadorias de combate a violência contra a mulher no intuito de estabelecer um programa “Justiça pela Paz em Casa (Paz Doméstica)”.
A Conversa com a Ministra levou a intensa empatia com o auditório de modo que sequer foi possível esgotar a lista de inscritos para perguntas, comentários, denúncias, desabafos e proposições. A representação de familiares de Internos da PDF I, da “Papuda”, leu um manifesto com sérias denúncias de violações e de ameaças que restringem direitos e dignidade dos presidiários. Este documento será encaminhado ao órgão competente de supervisão do sistema e sobretudo, à Secretária de Segurança Pública e da Paz Social do DF, Dra. Márcia de Alencar Araújo, convidada para a Conversa de Justiça e Paz de maio (02/05), com o tema: “Ainda a Questão Penitenciária: Segurança e Ressocialização para a Cidadania”.
Veja a Conversa na íntegra:
Por Comissão Justiça e Paz