Elo com contratos públicos ‘preocupa profundamente’. Suspeita eleva descrença em governos. TSE vê ‘tentativa de compra do parlamento’ no Brasil
por André Barrocal – Carta Capital
No apagar das luzes de 2014, uma comissão especial de deputados tentou aprovar uma espécie de “liberou geral” na compra e posse de armas. Dos 24 titulares da comissão, oito foram financiados na eleição de 2010 pela Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições. Entre eles, o presidente, Marcos Montes (PSD-MG), e o primeiro e segundo vices, Guilherme Campos (PSD-SP) e João Campos (PSDB-GO). Na recente campanha, Montes e Guilherme foram mais uma vez eleitos com apoio do setor, via doações da Companhia Brasileira de Cartuchos. A tentativa de revogar o Estatuto do Desarmamento seria fruto apenas da crença pessoal de certos parlamentares ou uma retribuição de alguns deles aos patrocinadores?
Este tipo de suspeita espalha-se pelo mundo. No início de dezembro, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE), entidade a reunir 34 países ricos, realizou em Paris um fórum de dois dias para discutir os riscos à democracia decorrentes do poder econômico. Foi a sua segunda iniciativa do gênero em menos de um ano. Ao abrir o evento, o secretário-geral da entidade, Angel Gurría, apontou um “consenso crescente de que a captura da política por uma elite rica através do financiamento dos partidos e das campanhas representa um perigo para a integridade de nossos sistemas democráticos”.
A ameaça parece já ter entrado no radar dos cidadãos comuns. Uma pesquisa feita em 27 países e apresentada no último Fórum Econômico Mundial constatou que o ibope dos governos anda em baixa, e uma das principais causas é a desconfiança quanto às motivações por trás das decisões estatais. Um temor de que a democracia esteja trabalhando em prol do dinheiro, e não das pessoas, como teorizou o presidente Barack Obama na abertura do Congresso norte-americano em janeiro de 2014: “Deve ser o poder do nosso voto, não o tamanho das nossas contas bancárias, que impulsiona a nossa democracia”.
Na literatura internacional, são raras as pesquisas capazes de identificar a recompensa obtida pelos financiadores privados de campanha. Um dos poucos trabalhos conhecidos foi feito na Hungria em 2013. O estudo revelou que, para os executivos de empresas fornecedoras do governo húngaro nas áreas de construção, tecnologia da informação e saúde, os negócios vão melhor para as companhias mais próximas dos líderes políticos. “A existência de ligações entre lobby, doações políticas e sucesso das empresas na contratação pública é profundamente preocupante”, disse Gurría.
Em geral, os países adotam duas soluções na tentativa de conter a infiltração do poder econômico na política. Uns impõem teto (baixo) de despesas às campanhas, na esperança de que os candidatos precisem de menos patrocinadores. É o caso da França, onde um concorrente à Presidência pode gastar no máximo o equivalente a 58 milhões de reais. Outros proíbem as doações privadas, substituindo-as pelo financiamento público, como o governo espanhol tenta aprovar no Parlamento local desde a explosão de um escândalo de corrupção envolvendo autoridades.
A eleição brasileira de 2014 foi a mais cara da história do País. Custou 5 bilhões de reais, somando-se as planilhas de concorrentes a presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais. Um aumento de 40% na comparação com o pleito de 2010. Sozinha, a disputa pelo Palácio do Planalto girou 650 milhões de reais. A campanha vitoriosa, de Dilma Rousseff, somou 350 milhões, o equivalente a 1,75 real por habitante, o dobro da despesa per capita máxima na França.
Durante o julgamento das contas de campanha da petista, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, disse que o “teto de gastos é hoje mais importante do que a discussão sobre financiamento público ou privado”. O processo ficaria mais barato, afirmou, com a redução do tempo de duração das eleições e o fim das “pirotecnias” midiáticas, por exemplo. Os serviços do marqueteiro João Santana consumiram 20% do orçamento do comitê petista, um total de 70 milhões de reais.
Defensor da extinção das contribuições empresariais em campanhas, Toffoli disse ter ocorrido na eleição de 2014 uma “tentativa de compra do Parlamento” por parte do maior mecenas da política nacional. O grupo JBS Friboi injetou incríveis 365 milhões de reais em postulantes de variados partidos e estados. Elegeu, de longe, a maior bancada do Congresso. Quase um terço dos deputados deve gratidão à multinacional frigorífica.
O veto às doações empresariais é o coração da proposta de reforma política que Dilma promete defender no início do segundo mandato. Ao ser diplomada pelo TSE, a presidenta declarou ter chegado a hora de um pacto nacional anticorrupção que “vai desaguar na grande reforma política que o Brasil precisa promover a partir do próximo ano”.
Não se sabe ainda que caminho a presidenta usará para tentar emplacar a reforma. Na eleição, Dilma pregou a realização de um plebiscito a obrigar os parlamentares a aprovar uma lei contra o financiamento empresarial e reuniu-se com grupos defensores da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para o tema. Mas também ouviu – e ouve – de conselheiros que nenhuma das duas opções conseguiria contornar a resistência dos congressistas à proibição. Em meados de dezembro, um ministro tentou saber o que vai pela cabeça presidencial durante um voo, mas sem sucesso.