É urgente radicalizar o experimento democrático – 23/10/2018

É urgente radicalizar o experimento democrático, pois “mesmo que você se apoie em baionetas, você não pode se assentar nelas”. Entrevista especial com José Geraldo de Sousa Junior

Por: Vitor Necchi | 23 Outubro 2018

O jurista e ex-reitor da Universidade de Brasília José Geraldo de Sousa Junior é um pesquisador atento às dinâmicas sociais, ao movimento das ruas e ao mundo das leis e das instituições. Ele acompanha os riscos que afetam a democracia brasileira e as ameaças que podem emergir das urnas. Mesmo assim, garante que seu sentimento “mais recôndito” continua a ser o de se “sintonizar, de vibrar no diapasão do movimento inexorável de emancipação dos sujeitos na história e na construção do país”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele aponta três condições que seriam necessárias para “operar a transição entre a ditadura instalada no Brasil em 1964e a retomada de um governo civil comprometido com a retomada da democracia”: anistiaconstituinte; e a memória e a verdade na política. Isso permitiria que se realizasse uma Justiça de Transição, processo pelo qual seriam apuradas as responsabilidades pelas violações e crimes contra a humanidade e os direitos humanos, ao mesmo tempo em que houvesse reparação pelos “danos perpetrados contra vítimas submetidas de todos os modos vis aos agentes e às estruturas autoritárias”. O mais importante, ainda, seria “reeducar para a política e para a cidadania”.

Na avaliação dele, o Brasil passou de maneira limitada pelas duas etapas iniciais, mas “jamais aprofundou o resgate da memória e da verdade na política, no máximo reparando, mas recusando responsabilizar (verdade, mas não justiça)”. Lembra que, em países vizinhos, “até generais e ex-presidentes autoinstalados nas insígnias de poder foram submetidos a julgamentos e alguns morreram no cárcere cumprindo penas”. No Brasil, “eles permaneceram intocados e agora se reapresentam deseducados e ressentidos, com suas práticas antidemocráticas”.

José Geraldo | Foto: Agência Brasil
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, onde leciona desde 1985 e foi reitor de 2008 a 2012.

O jurista admite que a democracia está em crise, “mas apenas em sentido dialético, hegeliano, de tensão entre velho e novo que se coimplicam”. No seu entendimento, a crise pode vir a ser de renovação, de transformação. “Ajudar o novo a nascer e prestar exéquias ao velho, que assombra como espectro.” O velho, no caso, “é a democracia liberalcensitáriapatrimonialista, de elites que se arrogam a titularidade do político”.

Ele entende que se atravessa uma crise da representação porque “há novos sujeitos, não só homens, também mulheres; não só héteros, mas homoafetivos; não só brancos, mas matizes étnicas diversas; não só católicos, mas cristãos de todas as confissões e crenças de diferentes tradições; não só um povo identitariamente hegemônico, mas uma plurinacionalidade; não só um modo de produção, mas diferentes soluções para a produção e a reprodução da existência social”. Ao pensar no limite da representação, afirma que “a urgência é a de radicalizar o experimento democrático e atuar politicamente para uma governança compartilhada que leve a uma contínua democratização da democracia”.

Por fim, permitindo-se uma fala mais pessoal, afirma que lhe “cabe partilhar com os jovens” as suas angústias, “sem a elas sucumbir”. Na conjuntura, reconhece que “há ainda o estertorar do velho enquanto o novo se agita”. E conclui: “Permaneçam se assim for o caso, tristes na razão, mais se deixem ser felizes no serviço e na ação política, para a transformação justa do mundo”.

Confira a entrevista: http://www.ihu.unisinos.br/583969-e-urgente-radicalizar-o-experimento-democratico-pois-mesmo-que-voce-se-apoie-em-baionetas-voce-nao-pode-se-assentar-nelas-entrevista-especial-com-jose-geraldo-de-sousa-junior

 

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