“… o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lato o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver feliz.”
(Papa Francisco – Misericordiae Vultus, 9)
A Comissão Justiça e Paz de Brasília vem manifestar sua preocupação com a turbulenta animosidade que divide os cidadãos brasileiros em inimigos na disputa eleitoral em curso, convocando os cristãos do país para um momento de meditação e reflexão a fim de superar a violência presente por uma cultura da paz.
O processo eleitoral em andamento é marcado pelo acirramento de sentimentos e inimizades entre brasileiros, onde inúmeras tragédias foram noticiadas, tais como atentados contra a incolumidade física de pessoas e candidatos, ameaças aos integrantes da alta cúpula dos poderes da república, bem como de liderança de movimentos sociais e paroquiais, chegando ao ápice com o homicídio de eleitor que professava sua opção política por determinada candidatura.
Cumpre ressaltar que a tragédia social mencionada está respaldada por campanhas permeadas de inúmeras violações das leis eleitorais, como também dos valores cristãos. Assim, essa nota pretende, com humildade, trazer elementos de reflexão para enfrentar a intolerável violência na política, invertendo o quadro desolador da mesma.
A Igreja Católica tem como fundamento o Evangelho da Boa Nova do Reino de Deus, Reino de Paz e Justiça. O Espírito das Bem-Aventuranças norteia a sua vasta doutrina e prática, que estão sistematicamente violados ao longo do período eleitoral, ocasionando os mais graves atentados mencionados anteriormente.
O primeiro mandamento nos ensina que devemos “amar a Deus sobre todas as coisas”, e o Evangelho enfatiza com insistência que só podemos amar a Deus no próximo, através do nosso irmão, devendo assim amar a todos e a todos perdoar, e, portanto, a ninguém excluir. Percebamos que ao longo do período eleitoral foram feitas convocações para aniquilar física e moralmente irmãos, a rotulação de outros como inimigos, impossibilitando o perdão e o diálogo entre seres humanos, segregando famílias, vizinhos e amizades de décadas.
Outro mandamento fortemente violado é “não invocar seu Santo nome em vão”. A participação política da comunidade cristã é importante para que os valores do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja perpassem a sociedade. Porém, a exaltação de valores pessoais e morais, ou mesmo de interesses políticos e/ou partidários, outorgando-se o patrocínio de Deus, instrumentaliza, sem constrangimento, o nome de Deus. A devida participação política do cristão na polis (cidade) com a utilização do nome de Deus para sustentar partidos e candidaturas políticas e partidárias causa discórdia e desagregação entre irmãos.
No Evangelho, Jesus, aperfeiçoando a regra “Não matar”, condena a raiva e o ódio ao irmão. Por esse mandamento é claro que qualquer ser que cogite ideias que promovam a morte do ser humano perde-se em sua condição mundana e cogita equiparar-se a Deus. Deus é vida e só Ele tem direito de tirá-la. O aval ou incentivo ao homicídio de qualquer cidadão, seja aquele em vida plena ou vida intrauterina, viola concretamente os preceitos cristãos. Infelizmente, cristãos brigam entre si, violentam-se moral e fisicamente, e irmãos já faleceram em face da disputa eleitoral.
O mandamento “Não roubar” combate veementemente aqueles que locupletam-se de recursos públicos, que tem crescimento patrimonial inexplicável, que procuram subtrair do patrimônio do próximo, que sonegam seus impostos e de qualquer maneira procuram burlar a lei para benefício próprio, e assim merecem o repúdio cristão.
O mandamento, “Não levantar falso testemunho”, nos remete as falsidades empregadas ao longo da campanha eleitoral chamadas de “fake News”, por aquele que falta com a verdade e mente para prejudicar ou lesar o próximo, que levantando falsidades com o intuito egoístico de benefício eleitoral, viola os valores basilares do Evangelho e da moral. Não é diferente, aquele que, percebendo que a “notícia” que lhe chegou, lhe parece falsa e não procura sua confirmação, reproduzindo a mentira alheia com único intuito de prejudicar terceiro, acabando assim por violar o preceito bíblico. O verdadeiro Cristão não mente e não tolera pessoas que mentem.
Releva destacar que, a par de nossas diferenças, das distintas opiniões, da liberdade de expressão, tenhamos em conta que as razões para permanecermos coesos como Igreja são os valores, os preceitos e a doutrina do Evangelho. Essa doutrina, sempre será debatida, rediscutida pelas encíclicas, exortações apostólicas, mas também cotidianamente nas homilias, nos grupos de reflexão e oração, algumas vezes com pontos de divergência, mas sempre com muita convergência, pois somos regidos pela mesma fé, mesmo batismo para viver em comunhão eclesial, formando assim o Corpo de Cristo.
Não obstante as divergências nas opiniões, é o Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo que nos une a todos como irmãos “não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno!” (Papa Francisco, Evangelli Gaudiium – 101).
Por Comissão Justiça e Paz de Brasília – CJP-DF