Ainda a Questão Penitenciária:
Segurança e Ressocialização para a Cidadania
A Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília promoveu no último dia dois de maio, no Auditório da Cúria Metropolitana, mais uma edição da Conversa de Justiça e Paz. Com a presença de um público de cerca de setenta pessoas, o tema foi novamente a questão penitenciária no DF, continuando a discussão feita nas duas conversas anteriores. Desta vez, porém, o objetivo era voltar o olhar para questões mais práticas, ou seja, a dimensão do “agir” no método ver-julgar-agir.
Para estimular o debate, participou a Dra. Susana de Morais Spencer Bruno, Subsecretária de Segurança Cidadã da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal. Contribuiu também a Sra. Mariana Rosa Moreira dos Santos, Presidente da Associação Humanizando Presídios (AHUP), que congrega familiares de presos e presas no DF. Cabe destacar também a presença de Manoel Tranquilino, Coordenador da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Brasília, e do Pe. Moacyr Gondim e várias lideranças pastorais da Paróquia Nossa Senhora da Assunção na Ceilândia. Após uma saudação do Pe. Carlos Henrique Oliveira, Vigário Episcopal para a Promoção Humana e Obras Sociais da Arquidiocese, a Dra. Suzana deu inicio a sua exposição.
Ela agradeceu à Comissão Justiça e Paz a oportunidade de interlocução com a sociedade, como ocasião de conhecer melhor a realidade e aperfeiçoar as propostas que estão sendo implementadas pelo governo. A tese principal que pretendia defender é que estamos diante do desafio de encontrar alternativas de ressocialização dos sentenciados a cumprir pena pelo sistema judiciário, em vista do fracasso da privação de liberdade como medida de punição principal. Segundo a expositora, há grande consenso entre os estudiosos do assunto que o simples confinamento não tem permitido a reintegração social da pessoa condenada pela justiça.
Em vista disso, a Secretaria de Segurança do DF, responsável pela administração do sistema carcerário em nossa unidade da federação, tem tomado algumas medidas. De caráter mais emergencial e, por isso, não ainda rompendo com a linha de privação da liberdade, está sendo encaminhada a construção de novas unidades penitenciárias, de modo a não se misturarem presos de diferentes naturezas (temporários e transitados em julgado, crimes contra a vida e contra o patrimônio, por exemplo) e, com isso, poder-se trabalhar a ressocialização destes de modo mais eficiente. Outra iniciativa que está sendo tomada é a criação do Programa Cultura de Paz, que inclui a criação de câmaras de discussão de medidas ressocializadoras e um núcleo de apoio ao egresso do sistema prisional. O objetivo é principalmente a reeducação dos que passaram para o regime semiaberto, por meio da capacitação cultural, intelectual e profissional do egresso, incluindo também programas de atividades esportivas e atenção à saúde destes cidadãos.
Além disso, a Secretaria tem buscado estabelecer parcerias com comunidades terapêuticas, buscando atender especialmente aqueles que sofreram ou sofrem de dependência química. Trata-se de uma parceria com a sociedade que é imprescindível para o esforço de solução do problema da ressocialização. Essa necessidade se mostra ainda mais clara no desafio de reinserção de ex-detentos no mercado de trabalho, dada a grande resistência na contratação de pessoas que passaram pelo sistema prisional. E essa nova chance é fundamental para o sucesso desse processo, que é importante não apenas para o cidadão que passou por aquela situação, mas para a sociedade inteira. Concluindo, segundo a subsecretária, a privação de liberdade para alguns detentos não faz diferença, pois se sua vida não é valorizada por ninguém, ele não vai valorizar a vida dos outros. A valorização da vida desses seres humanos é o desafio que temos pela frente.
Em seguida, falou Mariana dos Santos, Presidente da AHUP. Ela também agradeceu a oportunidade de apresentar o ponto de vista e as reivindicações dos familiares dos presos, uma realidade com tão pouca visibilidade social. A AHUP surgiu da necessidade de reunir as preocupações e esforços dos envolvidos no mesmo problema de ter um parente preso. A Associação se preocupa também em oferecer apoio a esses familiares, especialmente às crianças, de modo que elas tenham não apenas um suporte material, mas também que possam ser educadas a ter como modelo apenas o lado positivo da vida de seus pais ou mães que foram encarcerados.
Para Mariana, uma vez que não há pena de morte ou prisão perpétua no Brasil – e ainda bem que não é esse o caso –, pensar na ressocialização dos egressos do sistema prisional é um tema inescapável. No entanto, mesmo antes desse processo começar, a situação dentro dos presídios no DF é grave e exige medidas urgentes. A superlotação é um problema alarmante: há casos de celas em que cabem doze e que são ocupadas por até cinquenta e dois presos. Numa situação extrema como essa, revezar para ver quem fica em pé, quem dobra as pernas, quem pode deitar para dormir é parte do cotidiano dos presos. A diminuição da maioridade penal, se aprovada, apenas pioraria essa situação, pois aumentaria ainda mais a população carcerária. Diante disso, é óbvio que os presos prefeririam trabalhar ao invés de estarem ali, mas há poucas iniciativas desse tipo em nossos presídios. Além disso, há uma dificuldade específica dos detentos que estão no regime semiaberto: ao retornar ao regime fechado no fim do dia, eles ficam vulneráveis ao ataque de rivais e inimigos, que por vezes os aguardam próximo aos locais de detenção com a intenção de agredi-los ou mesmo matá-los. Seria importante que alguma medida pudesse ser tomada a respeito.
Por outro lado, é preciso ver também as dificuldades das famílias destes e, nesse campo, muita coisa pode ser feita. Um problema seríssimo é a humilhação envolvida na revista na visita aos detentos. A situação é especialmente grave no tocante às mulheres e, principalmente, às senhoras de idade. Trata-se de uma situação que poderia ser muito melhorada ou mesmo resolvida com a instalação de um aparelho de detecção de metais nas entradas dos presídios.
Por fim, Mariana apontou para o fato de que as diferentes secretarias do GDF envolvidas na questão penitenciária por vezes não dialogam entre si, o que dificulta a resolução dos problemas. A AHUP se propõe a ajudar a melhorar essa articulação, de modo a possibilitar as oportunidades de formação e atividade profissional que, muitas vezes, já existem, mas não são efetivadas.
O debate que se seguiu às exposições foi bastante participativo e intenso. Vários problemas foram apontados como sugestão para aperfeiçoamento da ação do governo.
Criticou-se, por exemplo, a falta de transparência e a imprecisão nos dados acerca da população carcerária e a situação do sistema no DF. Não haveria clareza também no projeto de formação de agentes penitenciários, especialmente em direitos humanos, sem contar o problema conceitual de se dar à secretaria de segurança, que é responsável pela polícia, também a responsabilidade de cuidar do sistema de detenção. A situação de algumas prisões no Distrito Federal é simplesmente desumana. Para que um problema assim seja resolvido, governo e sociedade têm de estar unidos e um fórum permanente de discussão da situação penitenciária, com a participação de familiares dos presos, autoridades do governo e outras instituições da sociedade civil seria uma forma de encaminhar melhor esse assunto.
Falou-se ainda do problema dos detentos que não têm familiares, para os quais o problema da ressocialização é ainda mais grave e exigiria uma política especial. Dentro desse tema de problemas especiais, falou-se de casos de tratamento brutal de presos conduzidos para consultas hospitalares. Questionou-se ainda o fato de não se ter implantado no DF a remissão (redução de pena) por leitura, embora já exista lei da Câmara Legislativa autorizando isso.
Ao final das intervenções do público, passou-se a palavra às expositoras para suas respostas e considerações finais.
Dra. Susana agradeceu as denúncias e sugestões, entendendo ser esta uma oportunidade ímpar de interlocução, para que o governo possa cumprir bem o seu papel. Ela admitiu que a realidade dos fatos é muito diferente ainda da previsão legal, mas que o esforço é todo no sentido de diminuir essa diferença.
Respondendo mais diretamente as questões, a subsecretária de segurança pública informou que no Programa Cultura de Paz, que foi mencionado na sua exposição, há previsão de compra de aparelhos de detecção de metais e o estabelecimento de outras formas de revista, a fim de permitir uma maior humanização das visitas. Quanto à formação dos agentes em direitos humanos, há informação de que a população do DF já vê a abordagem da PM de forma mais positiva. Essa é uma questão que leva tempo, mas parece que já estamos no caminho certo, inclusive com a existência de uma subsecretaria voltada pare esse tema na Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Quanto à transparência na informação, a subsecretária disse que o acesso a esta é garantido pela LAI – Lei de Acesso à Informação. A respeito da vinculação do sistema penitenciário à SSP-DF, ela afirmou que a situação atual é provisória, enquanto não se termina o projeto de vinculação do sistema a outro órgão do governo local. No tocante à remissão por leitura, há dúvidas sobre a constitucionalidade da lei aprovada pela Câmara Legislativa, uma vez que o sistema penal é matéria legislativa exclusiva da União, além das dificuldades práticas na implementação de uma medida como essa.
Por fim, a subsecretária enfatizou a tese do desencarceramento e da busca de penalização alternativa à privação de liberdade, além da necessidade de encontrar meios de aperfeiçoar o processo de ressocialização de ex-detentos.
Por sua vez, Mariana dos Santos afirmou que um dos objetivos da AHUP é dar apoio aos egressos e detentos que não têm família. A seu ver, a FUNAP (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso), órgão do GDF, não está conseguindo atingir plenamente seus objetivos, pois são muito poucos os postos de trabalho que esta tem disponibilizado. É preciso dar mais apoio a ela para que esse problema seja superado.
Além das questões apontadas anteriormente e, ouvindo outras manifestações do público, a presidente da AHUP denunciou problemas ligados à alimentação fornecida pela empresa contratada para este serviço em alguns presídios do DF, além da falta de cuidado com o banho de sol, que por vezes falta e por vezes é excessivo.
Ao final da sessão, o presidente da Comissão Justiça e Paz, José Marcio de Moura, fez uma breve síntese das discussões e um elogio à grande participação no evento de hoje. Apenas com a parceria entre governo e sociedade civil é que problemas como a questão carcerária podem realmente ser melhor encaminhados. A CJP-DF se alegra em poder ensejar essa parceria.
Por fim, o Pe. Carlos convidou todos para uma oração, no espírito de que a graça de Deus possa iluminar nossos esforços e que a justiça e a paz possam se estabelecer também no âmbito da questão penitenciária.
Por Comissão Justiça e Paz