Com este tema, realizou-se ontem, 07/03, como acontece a cada primeira segunda-feira do mês, no Auditório Dom José Freire Falcão, da Cúria Metropolitana, mais uma Conversa de Justiça e Paz, promovida pela Comissão Justiça e Paz, da Arquidiocese de Brasília.
Os convidados para esse encontro foram Paulo Suzano Mendonça de Souza, Advogado,membro da CJP/DF, Manoel Luiz Tranquilino do Nascimento, Diácono, Membro da Pastoral Carceraria do DF e Maria Gabriela Viana Peixoto, Doutora em Direito, Ouvidora do Sistema Penitenciário Nacional, DEPEN/MJ. À mesa, ainda, o Presidente da CJP/DF, José Marcio de Moura Silva, o Vigário Episcopal para Promoção Humana e Obras Sociais, padre Carlos Henrique de Oliveira e o moderador membro da CJP-Brasília José Geraldo de Sousa Junior.
O Auditório, como já está se tornando comum, contou com um excelente público, com presenças motivadas pelo assunto, entre elas, a Delegada Sandra de Melo, Chefe de Gabinete da Secretária Márcia de Alencar Araujo de Segurança Pública; o Secretário-Adjunto, da Secretaria de Políticas para Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, do GDF, Carlos Alberto Santos de Paulo; o membro do Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, e também, membro do Conselho do Fundo Penitenciário/SSP-DF, Caio Valente, membros das Pastorais Carcerárias Nacional e do DF, professores e professoras, entre eles os professores da UnB, Vinicius Arthur de Lima, membro do Conselho Nacional de Comunicação, José Salomão Amorim, Leda Barreiro; José Boaventura Teixeira, da Cáritas Brasileira; o Diácono Ribamar, da Pastoral do Povo de Rua e da Casa Santo André; os seminaristas do Noviciado Dom Orione; servidores do Sistema Penitenciário distrital, entre eles a Sra. Carla Alves Araujo Monteiro, Gerente de Análises Jurídicas, representando a Dra. Deuselita Pereira Martins, Diretora da Penitenciária Feminina; membros da Associação dos Familiares de Presos, representados pelas Srtas Julie Lima e Alessandra da Silva; religiosos, membros de pastorais e de serviços da Arquidiocese. Um alto nível de discussão que, felizmente, graças ao registro e à posterior difusão em sua programação, a TV Comunitária, Canal 12 (NET), amplia.
Num quadro dramático, acentuado pelo dado de que entre 1990 e 2014, o número de detentos no país passou de 90 mil para mais de 600 mil, revelando a falácia de supor que a cadeia seja sinônimo de segurança, levando em conta o crescimento do encarceramento de 575%, desmoralizando a sensação que a sociedade demonstra de se sentir mais segura hoje do que há 25 anos., os expositores apresentaram seus argumentos, considerando que o objetivo dessa conversa, diante de questão tão difícil tinha a intenção mais centrada no conhecer o problema em sua dramaticidade, procurar ver o mais amplamente possível as suas implicações complexas para, num segundo momento, tema para uma outra conversa, estabelecer referências para o agir que se oriente por uma adequada atuação pastoral. Para essa segunda conversa, aliás, já está confirmada a participação da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, que abordará em abril, dia 4, o tema “questão penitenciária e dignidade humana”.
Tanto os expositores, quanto os debatedores, entre os quais a manifestação forte de Leandro Leite, egresso do sistema penitenciário, no qual esteve internado por mais de 11 anos, condenado por diferentes delitos, por uso de drogas, contra o patrimônio e contra a vida, hoje em processo de ressocialização com o apoio da Casa de Santo André, partiram da indagação – “por que chegamos a esse ponto?” – e puseram em causa a realidade de invisibilidade da condíção presidiária, a dificuldade técnica, financeira e política de acolhimento e acompanhamento e o atraso na adoção de alternativas já em uso intensivo que traduzem alternativas penais ao modelo prisional (penas alternativas, emprego de tornozeleiras, prestação de serviços à comunidade, formas restaurativas de justiça).
Os expositores e os participantes concordaram num fator crucial do problema que é a interdição de “voz” do presidiário, invariavelmente restringido em sua dignidade e cidadania, porque sofre “penas” sociais-funcionais, não previstas nas sentenças condenatórias, que vão, da restrição de direitos (educação, voto, remissão, saúde), a punições “regulamentares”, incompatíveis com a lei de execução penal (castigos, maus-tratos, interdição de visitas, práticas vexatórias).
A partir de diagnóstico bem documentado, os expositores ofereceram um quadro de desafios (Ouvidora Maria Gabriela Peixoto), bastante elucidativo, que podem ser assim sintetizados: aumento abusivo da taxa de encarceramento (imprevisibilidade para o planejamento, esgotamento dos recursos, agravamento da superlotação, recrutamento para as organizações criminosas); precarização das estruturas e serviços prisionais (violação de direitos, tensão, violência, adoecimento e insatisfação de todas as pessoas envolvidas); ausência de um modelo de gestão para os serviços penais (cada prisão e cada serviço de alternativas penais regidos por interesses circunstanciais e vulneráveis a discursos exclusivamente de repressão); ausência de política para acolhimento e inclusão de pessoa egressa (marginalização social e reincidência criminal); pessoa presa vista como “subcidadão” não destinatários de direitos (naturalidade e normalidade nas políticas de exceção e violação de direitos; potencialização da organização de grupos de presos); políticas estatais não visualizam a pessoa presa como destinatária de políticas públicas (não oferta dos direitos de educação, saúde, trabalho, assistência social, entre outros); serviços penais voltados a repressão/controle e não a inserção social (resistência na implantação de políticas sociais e à participação da sociedade).
Sob muitos aspectos, a conversa deu ressonância a preocupação tão marcantemente manifestada pelo Papa Francisco, à qual a CNBB, em nota pública lançada ao final de 2015, sobre esse tema, e mais especificamente, em crítica à terceirização, reavivou: “O atual sistema prisional, competência do Estado brasileiro, mostra-se falido e incapaz de cumprir suas finalidades institucionais. Afirma o Papa Francisco e nós bispos com ele: “É doloroso constatar sistemas penitenciários que não buscam curar as chagas, sarar as feridas, gerar novas oportunidades. (…). É sempre mais fácil encher os presídios do que ajudar a andar para frente quem errou na vida (…). Nesse período de detenção, de modo particular, é necessária uma mão que ajude a reintegração social, desejada por todos: reclusos, famílias, funcionários, políticas sociais e educativas. Uma reintegração que beneficia e eleva o nível moral de todos”.
Assista a Conversa na íntegra:
Por Comissão Justiça e Paz de Brasília